Consoladora dos que não têm consolação, Lágrima dos que nunca choram, Hora que nunca soa — livra-me da alegria e da felicidade.
Ópio de todos os silêncios, Lira para não se tanger, Vitral de lonjura e de abandono - faze com que eu seja odiado pelos homens e escarnecido pelas mulheres.
Címbalo de Extrema-Unção, Carícia sem gesto, Pomba morta à sombra, Óleo de horas passadas a sonhar — livra-me da religião, porque é suave; e da descrença, porque é forte.
Lírio fanando à tarde, Cofre de rosas murchas, silêncio entre prece e prece – emche-me de nojo de viver, de ódio de ser são, de desprezo por ser jovem.
Torna-me inútil e estéril, ó Acolhedora de todos os sonhos vagos; faze-me puro sem razão para o ser, e falso sem amor a sê-lo, ó Água Corrente das Tristezas Vividas; que a minha boca seja uma paisagem de gelos, os meus olhos dois lagos mortos, os meus gestos um esfolhar lento de árvores velhinhas – ó Ladainhade Desassossegos, ó Missa-Roxa de Cansaços, ó Corola, ó Fluido, ó Ascensão!…
Que pena eu ter de rezar como a uma mulher, e não te querer como a um homem, e não te poder erguer os olhos do meu sonho como Aurora-ao-contrário do sexo irreal dos anjos que nunca entraram no céu!
Fernando Pessoa, Nossa Senhora do Silêncio
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