A gravitas europeia a que Woody Allen aspirava "em seus malsucedidos filmes como Interiores, Interiors, Setembro, September, e o chatérrimo A outra, Another woman, é obtida plenamente em Crimes e pecados, Crimes and misdemeanors. E o seu filme mais sombrio, mas ele encontrou o tom certo, não aquele lúgubre à Bergman que nos deixa um gosto ruim na boca. O horrendo no filme não é portentoso e literário, mas engraçado, espirituoso, e as ambivalências são quase sempre sutis.
26.11.11
25.11.11
916. Assim falou Paulo Francis (6 de 10): sobre Edward Albee
Três mulheres altas, de Edward Albee, é a melhor peça sobre mulheres desde As troianas, de Eurípides. E uma meditação lírico-filosófica sobre a mulher, em que dinheiro, sexo, rivalidades, ciúmes, ganância, generosidade, falência física se misturam.
24.11.11
915. Assim falou Paulo Francis (5 de 10): AIDS
O flagelo da AIDS foi um dilúvio na fervura dos ativistas. São terríveis as lembranças que evoca. Afinal, as três maiores religiões do mundo, cristianismo, judaísmo e islamismo, condenam explicitamente a atividade homossexual. A medicina séria, idem. Freud, que pouco escreveu sobre o assunto a não ser em cartas, tratou com a maior cortesia e delicadeza o problema homossexual, considerando-o uma das aberrações "normais" entre os seres humanos e propôs para os homossexuais o mesmo que para os heterossexuais: uma maneira de eles sofrerem menos. AIDS foi o estigma na década de 1980. Talvez seja irremovível. Mas pelo menos podemos começar os anos 90 encarando o assunto sem o sensacionalismo vulgar da mídia e sem as balelas fantasiosas dos ideólogos homossexuais. AIDS já traz um sofrimento tão horrível que pode dispensar essa sobrecarga retórica. Que tantos jovens tenham sido ceifados é uma tragédia de proporções não muito diferentes das mortes da juventude na Primeira Guerra Mundial, quando um segundo-tenente tinha prazo de vida previsto de três semanas
23.11.11
914. Assim falou Paulo Francis (4 de 10): AI-5
A agitação dos estudantes, intelectuais e artistas e de grandes liberais como Sobral Pinto foi o pretexto para o AI-5. Duvido que alguém no alto comando acreditasse que o Brasil estivesse à beira de um putsch, ou revolução comunista. Porque não estava. Nem de leve. Mas na reunião de governo que deu no AI-5 se sente o bafo forte das bases, do oficialato de médio escalão, que é uma gente pouco familiarizada com a vida civil, que queria ser "gostada", mas era ridicularizada nos jornais, que se assustava com a mídia. Duvido de que Costa e Silva quisesse fazer o A1-5. Foi forçado pela pressão desses oficiais.
22.11.11
913. Assim falou Paulo Francis (3 de 10): África do Sul
De Klerk e todo mundo diz que o ou "a" apartheid é uma chaga na nossa civilização. Waaal, moralmente é. Não se devem segregar as pessoas racialmente. Mas com toda a franqueza eu não quero que os crioulos tomem o poder na África do Sul. Ninguém ciente das condições do país quer, mas as patrulhas impedem que essas pessoas "iluminadas" falem. Porque não há, em primeiro lugar, negros, essa generalização sem sentido algum e sem individualizar ninguém. Há negros de diversas tribos que se odeiam e que, uma vez no controle do país, entrariam em guerra civil interminável, como os zulus, por exemplo, matando, certamente, muito mais gente do que os afrikaners mataram em séculos. Uma boa choradeira sobre o destino cruel de Nelson Mandela sempre rende aplausos fáceis. Mas eu me lembro dele solto (uma das raras vantagens de se ser de uma certa idade) e que queria estabelecer o marxismo-leninismo, vulgo stalinismo, na África do Sul. Nem de longe é o líder dos quase 20 milhões de negros do país. É o líder de uma das muitas facções, da tribo shosha. Gente admirável como o arcebispo Tutu, que faz o que pode para conter a violência tribal, não sobreviveria a uma luta pelo poder entre Mandela, zulus etc., porque, já dizia Mão Tsé-tung, o poder nasce do coldre de um revólver. Sou racista por isso? Sou favorável a uma gradual imersão dos negros na vida política da África do Sul e acho que devem ter todos os direitos, o que inclui a oportunidade de se tornarem mão-de-obra qualificada e ganhar direito de tomarem o poder. Talvez se devam criar câmaras municipais para eles, como foram criadas para os indianos (a quem os revolucionários negros querem matar). Eu disse claramente o que pensava dos afrikaners, a eles próprios, em conversas em “Jo’Burg”, como chama a cidade mais civilizada do país (Johannesburg), mas fui forçado a reconhecer as realidades de poder acima. Há situações para que simplesmente não exista uma solução clara e sentimentalmente satisfatória.
21.11.11
912. Assim falou Paulo Francis (2 de 10): Henry Adams
Sempre que levo um banho de vulgaridade na rua, leio algumas páginas de A educação de Henry Adams. Como todos os autores echt, Adams parece estar falando exclusivamente para quem o lê. Estou ainda por encontrar um americano, exceto intelectuais, que saiba que Henry Adams existiu sequer. Seu senso de humor seco, sua neurastenia, a agudeza com que descreve a vulgarização fútil e progressiva que veio na esteira do voto às camadas populares.
20.11.11
911. Assim falou Paulo Francis (1/10): Aborto
Li o artigo de Amanda Craig no Spectator inglês, um marco jornalístico, descrevendo um aborto legal na Inglaterra (desde 1967), a indiferença plácida do médico, sempre chamado curiosamente por Amanda de "mr." e não de "dr.", que diz ser contra o aborto, em princípio, e que desaconselha as grávidas, mas que acha um mal menor, porque a maioria das pacientes é jovem demais, drogada demais e pobre demais. Diz o "mr." que entre 25% e 30% dos médicos na Inglaterra são contra o aborto. As mulheres a favor acusam Amanda Craig de ser católica. As descrições dos pedaços do feto saindo da mulher são lancinantes, apesar de não adjetivadas (talvez por isso sejam tão fortes). A antiaborto quase grita que Amanda escreve que feto de seis meses não grita, mas que ela, a antiaborto, perdeu um feto de seis meses, por aborto involuntário, e que o leio, aos seis meses, pegava na mão dela. Assunto em que homem não pia, obviamente, o aborto, mediante o cumprimento de certas condições. A princípio, eu achava questão líquida em favor do aborto. Como muitas deduções tiradas de abstrações intelectuais, a experiência foi modificando essa posição. Sempre achei que os religiosos antiaborto querem controlar a vida sexual das mulheres e não vejo motivo para mudar de opinião. Mas ao mesmo tempo o descaso com que engravidam e "despacham" fetos para o além, o que quer que seja o além, me cansa um certo asco. Um milhão e meio de abortos por ano. É demais. O aborto pode ser, e muitas vezes é, talvez, necessário, mas é degradante. Que sorte bnão ser mulher.